terça-feira, 20 de outubro de 2009

Meu Pé Esquerdo

Por Rildo Ferreira


I – Introdução

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Este artigo se propõe a fazer uma análise do filme MEU PÉ ESQUERDO sob a ótica da disciplina Corpo e Movimento. Não é uma resenha para analisar o filme e o seu conteúdo. Nosso propósito não é levar o leitor a ver o filme com o fim de entretenimento, mas o de buscar neste filme o significado do corpo e do movimento para suprimento das necessidades humanas, por mais difíceis que elas se apresentam.

Também não vamos discutir o elenco do filme. Talvez nos retratemos aos personagens de Ray McAnally (Sr. Brown), das atrizes Fiona Shaw (Dra. Eileen Cole) e Brenda Fricker (Sra. Brown), por se tratarem de personagens que se aproximam daquele que vem a ser o nosso alvo de observação, Christy Brown, personagem de Daniel Day-Lewis. Dos irmãos de Christy Brown vamos abordar a importância deles para o processo de interatividade do personagem sem, no entanto, nos deter nos nomes dos personagens e dos atores.

O filme foi dirigido por Jim Sheridan e o roteiro foi adaptado pelo próprio Sheridan e por Shane Connaughton, baseado no livro de Christy Brown, sendo lançado na Irlanda (Reino Unido) em 1989. O elenco principal está relacionado abaixo. A saber:

Daniel Day-Lewis (Christy Brown); Brenda Fricker (Sra. Brown); Alison Whelan (Sheila - adulta); Kirsten Sheridan (Sharon Brown); Declan Croghan (Tom - adulto); Eanna MacLiam (Benny - adulto); Marie Conmee (Sadie); Cyril Cusack (Lorde Castlewelland); Phelin Drew (Brian); Ruth McCabe (Mary Carr); Fiona Shaw (Dra. Eileen Cole); Ray McAnally (Sr. Brown); Patrick Laffan (Barman).

Este texto será dividido em duas partes apenas. A primeira delas vamos nos deter em fazer um resumo do filme sem uma análise aprofundada e na segunda parte vamos fazer a análise buscando fundamentações nos textos apresentados em sala pela disciplina e na fazer uma conclusão com o entendimento que o tema aborda.


II – Meu Pé Esquerdo – o filme

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Conta-nos Jim Sheridan que Christy Brown nasceu com paralisia cerebral o que comprometeu a aquisição da linguagem e o movimento do corpo, exceto o seu pé esquerdo. Era início do Século XX, e conceitualmente, a sociedade atribuía aos pais a deficiência dos filhos. Talvez por isso o Sr. Brown recusava-se a ver Christy Brown como um legítimo filho. Diferente dele, a Sra. Brown e os irmãos mantinham relações de profunda afeição pelo pequeno Brown, o que, efetivamente, o ajudou a superar suas dificuldades.

Ainda menino percebeu que seu pai não o tinha como um filho. Ali o pequeno Christy Brown percebeu a indiferença e o preconceito. Uma cena do filme que pode perfeitamente retratar isso é quando se esconde embaixo da escada esperando todos saírem de casa. Internamente Chris Brown sofre com o processo de exclusão do pai, sentimento que é abrandado pelo carinho dos irmãos e da mãe. Esta, por sua vez, conversa com o filho procurando entender suas necessidades a partir de suas expressões.

Arrastando-se pela casa Christy surpreende quando consegue com o pé esquerdo escrever a palavra mãe, mas surpreende especialmente o Sr. Brown que viu que naquele corpo havia uma inteligência aprisionada, e que estimulada, poderia vir a se manifestar com mais naturalidade. Foi assim que a família tornou Chris o goleiro do time e a fazer aquarelas com o pé esquerdo. Ele foi ainda mais longe, desenvolvendo um dialeto particular para facilitar a comunicação com a família.

Christy começa um tratamento médico com a Dra. Eillen, médica especialista em paralisia cerebral, e passou a fazer exercícios corporais e faciais, apresentando significativas melhoras, inclusive passando a falar de uma maneira mais compreensível para os amigos e com quem tivesse contato. Infelizmente Christy se apaixona pela médica, e não vendo seu amor correspondido, entra em profunda depressão, tenta o suicídio e pára de pintar. A Sra. Brown tentando ajudá-lo resolve construir um quarto independente para ele. E ele, percebendo a movimentação, tenta ajudar utilizando o único membro do corpo que lhe é permitido ajudar: o pé esquerdo.

Com o falecimento do pai, a família entra em crise financeira. Christy resolve, então, escrever a sua história datilografando, com o pé esquerdo, o livro que garantiu os recursos necessários para melhorar a vida da família Brown. A partir desse movimento, Christy participa de um evento beneficente para o Centro de Reabilitação da Dra. Eillen. Neste evento vem a conhecer aquela que seria a sua esposa.

Apesar da deficiência, Christy demonstrou bom humor, ironia, ira, afetividade (com a família e com outros), desejo e paixão. Sentimentos comuns a qualquer homem ou mulher que vive em condições normais. Todo esse conjunto de sentimentos o levou a ter uma vida bastante ativa, reconhecendo as limitações de seu corpo, mas utilizando com muita eficiência e perspicácia o corpo para internalizar saberes e mostrar-se útil quando o momento assim exigiu. Essa relação do corpo com o saber e com o fazer será tratada no próximo capítulo como análise do filme comparando-o com os textos apresentados na disciplina.

III – Quando se conhece o corpo obtém-se melhores resultados

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Quando se conhece o corpo obtém-se melhores resultados. Ora, a afirmação que dá titulo à este capítulo fundamenta-se no próprio filme. Há aqueles que, mesmo possuindo um corpo perfeito, com seus membros e órgãos funcionando regularmente, por não conhecer o próprio corpo encontra dificuldade de se relacionar com pessoas e objetos do meio em que vivem.

O filme mostra como um indivíduo que possui conhecimento de si mesmo pode tirar melhor proveito em benefício de si mesmo e daqueles com quem ele se relaciona. Foi assim que Christy Brown, o principal personagem do filme, brilhantemente representado por Daniel Day-Lewis, mostrou que os problemas vividos desde que começou a ter percepção do mundo exigia conhecer mais a si mesmo para a superação das suas limitações. Naturalmente isso foi facilitado quando a mãe, percebendo as limitações que o filho tinha, e movida fortemente pelas relações afetivas, buscou interagir com Christy.

Esta reflexão torna-se exemplo considerando a época e o contexto em que Christy Brown viveu a sua infância. Naquele tempo, o contexto era de uma sociedade preconceituosa e cheias de tabus. As famílias eram responsabilizadas pela deficiência que um filho viesse ter. Então, o Sr. Brown rejeitou o filho num primeiro instante. Isso foi impactante para o menino, que possuía graves limitações e percebia a rejeição de alguém que ele amava. Isso não ocorreu com a senhora Brown que mostrou ser mais que apenas mãe. Era uma mãe que amava seu filho e que por ele seria capaz de sacrifícios pessoais.

Christy teve aumentado suas possibilidades de relação com as coisas e com as pessoas na medida em que conhecia melhor o seu corpo. Ele percebeu que o seu pé esquerdo poderia servir para ajudá-lo a interagir com o meio. A partir desse membro ele passou a mostrar muito mais que inteligência, mas ódio, carinho, força etc. Nóbrega (2005, p. 610) faz uma referência que todos devemos incluir estas questões de afetos e desafetos como questões a serem observadas como pertencentes ao corpo porque revelam aquilo que move as reações corporais.

Isso nos remete àquela reflexão sobre corpo e mente. Não há corpo sem mente e nem mente sem corpo. Quando falamos de corpo e mente falamos de um mesmo indivíduo, assim como Christy percebeu seu pé esquerdo como sendo por onde o seu corpo melhor se relacionaria com o meio. Ora, não se diz que há um pé esquerdo e um corpo como sendo duas coisas distintas. Mas dizemos que o pé esquerdo, ou qualquer outro membro, é parte indissociável do corpo. Do mesmo modo podemos dizer da mente. A mente está no corpo, logo ela é parte constituinte do corpo assim como o pé esquerdo também o é. Se utilizamos a mente para produzir, conviver, comunicar, não a fazemos distante do corpo, mas com o próprio corpo.

Christy Brown nos revelou como devemos nos relacionar com o nosso corpo. Conhecendo-o. E conhecendo-o, expressamos melhor nossos sentimentos, como afirmou Gallo ao dizer

Sendo corpo, relacionamo-nos, comunicamo-nos, convivemos e produzimos nossas organizações e conhecimentos. Ao manter contato com outras pessoas, revelamo-nos pelos gestos, pelas atitudes, pela mímica, pelo olhar, pelos movimentos que expressam nossas manifestações corporais. O movimento não é um simples mecanismo, mas um gesto expressivo de significados, que transmite ao outro nossa interioridade, tudo aquilo por que passamos: alegria, saudade, dor, medo, ansiedade, desejos, afetividades etc. (Gallo, 1997, p. 65)

A superação demonstrada por Christy, que parece ser o tema central do filme, foi muito bem representada e mostrou como ele, deficiente, soube tirar proveito do seu corpo. Aquilo que as pessoas chamam de “dominar” o corpo, Christy demonstrou que isso não é mais que senão “conhecer o próprio corpo” para, das limitações, reconhecer suas capacidades e buscar superá-las.


IV – Conclusão

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Se tivéssemos que falar do filme enquanto uma arte a ser questionada, poderíamos citar algumas falhas, como não apresentar como Christy conseguiu escrever a palavra “mother” (mãe, em inglês) se nunca foi à escola. Mais ainda, como conseguiu escrever o livro se sequer foi alfabetizado? Parece que na realidade Christy Brown foi ajudado por alguém para escrever o livro e que a família tentava alfabetizá-lo em casa ou, na pior das hipóteses, os irmãos faziam lições e deveres próximo dele, o que fez com que ele pudesse internalizar algum conhecimento a ponto de desenvolver, por meios próprios, uma forma de escrever com o pé esquerdo.

Mas não é desse lado do filme que estamos falando. Não queremos fazer uma crítica quanto à forma e ao conteúdo do filme, mas observá-lo do ponto de vista do CORPO e do MOVIMENTO que esse corpo exerce para manifestar seus sentimentos, seus saberes e suas necessidades. O fato de Christy Brown ser deficiente e ter conseguido se comunicar, se relacionar com as coisas e com as pessoas, de ter manifestado sua ira, quando num bar alguns homens falam de seu pai já falecido. O corpo, limitadíssimo, mostra-se indignado com o desrespeito e com a falta de escrúpulos manifestando-se com gestos e gritos de protestos. Com a ajuda dos irmãos, provocam uma verdadeira guerra no bar.

Iwanowicz parece ter visto este filme. Com propriedade disse que “Desde pequenos, estamos aprendendo a não usar o nosso corpo de maneira natural, própria à nossa estrutura. Por outro lado, não podemos esquecer que o desenvolvimento do organismo depende da riqueza da estimulação externa” (in Bruhns, 2003, p. 69), pois o filme mostrou isso claramente. Se a mãe e os irmãos tivessem adotado a postura do pai quando percebeu que Christy era deficiente, talvez este tivesse uma vida mais vegetativa e o pai nunca teria percebido inteligência presente no filho. O corpo precisa de estímulos para um desenvolvimento pleno, possibilitando melhorar a qualidade de vida.


V – Referências Bibliográficas

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Iwanowicz, Bárbara. A imagem e a Consciência do corpo. [in Bruhns, Heloisa Turini (Org.). Conversando sobre o Corpo. São Paulo. Papirus, 2003].

Nóbrega, Terezinha Pretrucia da. Qual o lugar do corpo na Educação? Notas sobre conhecimento, processos cognitivos e currículo. [in Revista Educação e Sociedade]. Campinas, volume 26. No. 91, 2005: disponível em www.cedes.unicamp.br

Gallo, Silvio (coord.) E Gesef, Grupo de Estudos sobre Ensino de Filosofia. Ética e Cidadania: caminhos da filosofia 15ª. Ed.: São Paulo. Papirus, 1997

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