terça-feira, 17 de março de 2009

Jornalista licenciado (graduado)
ou licenciado jornalista.
Uma questão pertinente.
Por Eugénio Almeida (*)
Angola

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O presente artigo se propõe a uma análise do artigo Comunicação e Informação: jornalista diplomado tem que ser diferente postado em 10/10/2008 por mim no blog www.pedagogosdofuturo.blogspot.com - blog que está sendo mantido como arquivo, considerando que nele não haverá mais postagens - e que está implícito uma visão construtiva que o assunto acarreta. Almeida nos traz reflexões importantes como este fragmento que extraí do seu texto "Continuamos a olhar as profissões pela “partícula” que as precede: o Dr.Quantos “Drs” mostram o quanto mal escrevem português? E quantos não são aqueles que sem essa partícula nos mostram ser exímios escritores?" e contribui para aprofundar um debate que está posto nesta chamada "sociedade do conhecimento". O artigo do Almeida fiz questão de publicar neste blog, agradecendo-o pela contribuição para dar continuidade a construção do meu conhecimento. Vale a pena dedicar-se alguns minutos na leitura que se segue.
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Meu caro, recordo que, nomeadamente na zoociedade globalizadora actual, que há engenheiros, advogados e outros licenciados a fazerem trabalhos em hipermercados ou como balconistas em lojas de centros comerciais.

Assim, também nada obsta, e se o mercado a isso o impõe, então pouco há a fazer, que pessoas de outros quadrantes socioprofissionais sejam jornalistas ou trabalhem na área do jornalismo; já que uma coisa não implica, necessariamente, outra, ou seja, trabalhar em jornalismo não nos faz, automaticamente, jornalista, como adiante explico com o meu caso pessoal.

Acredito que conceder um diploma de jornalista possa ajudar futuros jornalistas a melhor compreenderem e melhor sentirem “o faro” e o “furo” jornalístico. Mas isso não é, ou não deve ser, condição base e única.

Tal como admito que deva haver jornalistas específicos, ou seja, jornalistas com base científica em áreas concretas de especialização. Ou seja, os chamados jornalistas especializados em economia, em jurídicas, em fiscalidade, em relações internacionais etc.

Mas isso não implica que todos os especialistas tenham de vir das respectivas áreas. Recordo a sua citação ao Prefácio de J.N.Pinto, no referido livro de Serva, sobre um dos seus mestres, quando o prefaciador afirma que aquele era semi-analfabeto em que ler ainda lia mas escrever nem pensar. Todavia tinha algo que é essencial num jornalista. E isso não se ganha numa Universidade; pode-se aprender mas se não estiver intrínseco nem com a vida se ganha: “o faro jornalístico”.

Daí que eu diga e afirme que não sou jornalista. Presumo que saiba escrever minimamente bem para ver os meus apontamentos, a que pomposamente chamo de análises – e nunca artigos –, serem publicados em diferentes órgãos de informação.

Sou um analista, também reconhecido como colunista – nem todos conseguem auferir vencimentos com esta classificação, quanto mais chorudos (elevados) – mas não me considero jornalista.

Além de me faltar muito, falta-me o essencial: “faro”.

Não se é jornalista só porque se escreve num jornal. Tal como também há jornalistas que conseguem escrever “páginas” de notícias sem uma única linha. Refiro-me aos fotógrafos ou fotojornalistas.

Sei que muitos se auto-intitulam jornalistas porque vêem os seus artigos/análises publicadas num jornal. No meu caso, continuo a considerar-me, unicamente, um analista, no caso de política internacional.

Jornalistas serão todos aqueles que fazem da actividade o seu principal meio de subsistência. Mas também não é jornalista só porque (se) trabalha lá. Há pessoas que fazem outras actividades dentro de um jornal e não devem ser referenciadas como jornalistas.

Um jornalista é – ou deveria ser –, e aqui cito-o, alguém que analisa, objectiva e transforma uma matéria em conteúdo jornalístico, ou seja, em matéria lida, ou ouvida, com qualidade e assunto credível e não mero “acto comunicólogo”, como o meu amigo muito bem recorda.

Ou seja, e relembrando dois casos que se verificaram em Portugal, devem evitar-se situações como as de que a principal causa de morte em Moçambique são os cocos que caem ou que o caminho-de-ferro de Benguela (CFB) ligava esta cidade (Benguela, quando, na realidade, começa no Lobito) a Luanda Norte.

A falta de estudo, de análise, de objectividade acarretam erros destes.

Mas a culpa nem sempre são dos jornalistas. Muitas vezes são os editores que não se preocupam com os conteúdos. Está escrito, está publicado.

Recordo, ainda recentemente, um caso que se passou comigo. Escrevi uma análise e o meu editor solicitou-me autorização para “rectificar” – dar mais objectividade – para que a matéria publicada não fosse uma análise meramente comunicacional mas algo com mais conteúdo. Só fiquei satisfeito pelo alerta e porque isso melhorou qualitativamente essa análise sem lhe retirar a génese inicial.

Este é o grande problema dos novos mercados comunicacionais.

Por um lado, querem dar mais credibilidade a um estrato profissional com a criação de cursos superiores e especialização de outros. Por outro lado esquecem-se que há bases que não se adquirem só com cursos superiores.

Continuamos a olhar as profissões pela “partícula” que as precede: o Dr.;
Quantos “Drs” mostram o quanto mal escrevem português? E quantos não são aqueles que sem essa partícula nos mostram ser exímios escritores?

E volto a citá-lo quando recorda a necessidade de se criar “o posto de linguista ou professor de língua portuguesa” para salvaguardar a qualidade da escrita. Ou seja, o meu amigo acha, e concordo consigo, que deveria haver um revisor que, antigamente, jornais e editoras tinham. Na prática foi isso que aconteceu comigo; o meu editor não me reviu o “português” mas acabou por rever a “qualidade” da matéria.

E, assim, voltamos ao início da questão. Há ou não necessidade em formar – leia-se, graduar – jornalistas.

Uma questão difícil de adjectivar quando muitos interesses estão em jogo. Para uns, de certeza, para outros haverá, primeiro, que definir o que é, realmente, jornalismo.

(*) Eugénio Almeida, angolano, titular do blog www.pululu.blogspot.com

domingo, 15 de março de 2009

A Educação Histórico-crítica

e o capitalismo nos dias contemporâneos

Por Rildo Ferreira

Este texto pretende abordar a necessidade de uma nova postura pedagógica frente às investidas do capitalismo na vida das pessoas, investidas que intervém na subjetividade, modeliza padrões éticos, estéticos, de consumo, altera as relações no mundo do trabalho aviltando ainda mais os trabalhadores e colocando milhões de seres humanos na mais absoluta exclusão, promovendo o preconceito e a discriminação.

Quando me refiro no título à uma educação histórico-crítica, procuro destacar a importância de uma pedagogia que fundamente a construção do saber que parte de uma curiosidade inocente para uma curiosidade epistemológica (Freire, 1999), para garantir a ampliação do repertório crítico e da visão de mundo dos indivíduos, elementos que são essenciais para a compreensão dos fenômenos na sua totalidade.

Nos dias contemporâneos não é possível a práxis educativa sem uma compreensão de como se configura o capitalismo e das formas excludentes escamoteadas em discursos de liberdade, de democracia (do direito de escolha) e de co-participação nos processos produtivos, mas intervindo na subjetividade dos indivíduos com o auxílio das tecnologias da informação (televisão, presente em quase 100% dos domicílios no Brasil, internet, o número de usuários ainda é baixo quando comparados com outros países mais desenvolvidos, mas em escala ascendente no Brasil.), introjetando nos indivíduos desejos e anseios, estabelecendo padrões para as aspirações pessoais, atuando no inconsciente alterando os desejos e as sensibilidades humanas e provocando a coisificação das relações pessoais. Influencia na roupa que as pessoas tem que vestir, estabelece padrões estéticos, mutila a sensibilidade humana frente ao sofrimento do outro e responsabiliza cada pessoa por sua própria exclusão (Mance, internet).

A compreensão de como o capitalismo tem influenciado diretamente na vida de todos e todas em geral, e de cada um em particular, requer uma educação histórico-crítica que perpassa a educação livresca, sem, contudo, deixar de lado os conteúdos que são importantes para a construção do conhecimento. Numa perspectiva dialética da educação que parte para ampliar a visão de mundo das pessoas exige um educador igualmente preparado para um diálogo crítico, daí a importância do debate acerca da globalização e das novas relações no mundo do trabalho, do consumismo que promove a desumanização das pessoas e da utilização critico-racional dos novos instrumentos tecnológicos disponíveis.

Algumas considerações acerca da Globalização e do mundo do trabalho

No século XIX Karl Marx já considerava o capitalismo numa dimensão universal. Esse capitalismo, entretanto, se apresenta com uma nova roupagem exigindo uma releitura para uma compreensão mais adequada. Se no início do século passado o mundo do trabalho exigia um trabalhador especialista na sua função, hoje ele requer um trabalhador mais eclético, capaz de realizar várias tarefas e conhecer toda a cadeia produtiva.
Atualmente o capitalismo intervém na subjetividade das pessoas promovendo uma ampla reforma conceitual visando a construção de regimes globalitários, o que na visão de Ramonet (1997), diretor do jornal francês Le Monde Diplomatique, não é outra coisa senão uma nova versão do totalitarismo dizendo que os capitalistas “repousam sobre o dogma da globalização e do pensamento único e não admitem nenhuma outra política econômica, subordinam os direitos sociais do cidadão à razão competitiva, e abandonam aos mercados financeiros a direção total das atividades da sociedade dominada.”(p. 26)

O discurso corrente propagado pelo capitalismo é que o mundo do trabalho sofre uma metamorfose onde o trabalhador precisa acompanhar as transformações aceleradas pela revolução tecnológica e que o desemprego é fruto da falta de capacidade do indivíduo. Assim, se o trabalhador ficou desempregado foi porque não se qualificou ou não estudou o bastante para se adaptar aos modernos recursos tecnológicos, ele é responsabilizado por isso sem ao menos compreender o contexto histórico do indivíduo. Esse discurso ideológico camufla uma outra realidade: no mundo atual, ainda que todos estudassem muito, não haveria emprego para todos, pois a lógica perversa do capitalismo, como se tem visto nos dias atuais, é a de manter alta a produtividade com menos trabalhadores empregados (mais valia intensiva ou extensiva). Não me é possível afirmar por falta de dados consistentes, mas uma suspeição, a de que esse fenômeno esteja ocorrendo a partir do momento em que estourou a crise de 2008 no setor financeiro e imobiliário estadunidense e desencadeou um efeito dominó atingindo outros setores da economia espalhando-se por todo o mundo. Recai sobre os pós neo-liberais a suspeita de aproveitar a oportunidade para valer-se de mais um processo que aumente o acúmulo de capital intensificando a mais-valia cuidando de demitir parte do operariado obrigando aos que permaneceram empregados produzirem pelos que foram demitidos. Assim diminuem os custos, mas mantém a produtividade. Essa tem sido a tônica da indústria automobilística e do setor bancário que ano-após-ano divulgam resultados de excelente produtividade e lucro ao mesmo tempo em que promovem demissões em massa, férias coletivas compulsórias com redução de salário e/ou terceirização dos serviços.

Ora, o que assistimos no mundo dos negócios é que se uma empresa não investe em tecnologias (as que substituem os trabalhadores nas fábricas e indústrias) perde a competitividade e logo são incorporadas por outra empresa maior. Isso significa maior concentração de riqueza e a exclusão ampliada de trabalhadores. Este é um movimento de concentração e internacionalização do capital, de regionalização do mundo em blocos econômicos, variações na cadeia produtiva, de reestruturação e racionalização empresarial, de substituição de matérias primas, com a economia fundamentada, cada vez mais, na produção de conhecimento. Como disse Vasapollo (2005) “...a informatização, além de provocar o desemprego estrutural, desqualificou o trabalho já existente, convertendo-o no denominado trabalho atípico, com forte conteúdo de precariedade (p. 18)”.

Essa nova fase do capitalismo produz um novo tipo de relação nos meios de produção. Quem produz não sabe quem detém os meios de produção, porque as empresas transnacionalizadas perderam o referencial. O trabalhador produz num ponto do planeta e o dono do produto pode estar do outro lado diametralmente oposto. E o discurso da competitividade, da modernidade, da globalização, tem levado os pós neo-liberais a propor a desregulamentação do trabalho tornando-o cada vez mais precarizado, introjetando nos trabalhadores o medo e a angústia, ao mesmo tempo em que o trabalhador é
  • ...envolvido como colaborador da empresa; para tanto, usam-se técnicas de teatro, de tai- chi-chuan, técnicas de psicologia e psicodrama no desenvolvimento de inteligência emocional e muitas outras, para aumentar a produtividade, para que o indivíduo se sinta membro-participante da empresa e não um mero empregado, tendo maior autonomia, podendo até mesmo flexibilizar o seu próprio horário de trabalho, etc. Todas essas técnicas de produção de subjetividade estão incorporadas para o bom funcionamento da empresa e para o atingimento de seus objetivos estratégicos na competição com as empresas concorrentes (Monce, internet).

O que o capitalismo não consegue esconder é o paradoxo entre a espetacular ampliação da produção mundial, ampliação das riquezas, indicando aumento de crescimento econômico, e o inversamente oposto porque o índice de pobreza no mundo não diminui. Isso tem uma explicação simples: menos trabalhadores estão produzindo muito mais capital. O que tem sido observado na realidade é a exclusão de jovens e daqueles considerados já idosos (cerca dos 40 anos), além de uma infinidade de trabalhadores no chamado trabalho informal. Nas palavras de Antunes (2006, internet) “o mundo do trabalho atual tem recusado os trabalhadores herdeiros da ‘cultura fordista’, fortemente especializados, que é substituído pelo trabalhador ‘polivalente e multifuncional’... ”.

A práxis da educação histórico-crítica

Como demonstrei acima o capitalismo é uma fonte desagregadora e excludente. A educação histórico-crítica não pode se colocar à margem desse processo como se isso nada tivesse a ver com a formação do homem. Ora, agindo de maneira a reproduzir a sociedade tal como ela se apresenta, a educação passa a servir como um braço operando em benefício desse capitalismo, e não é isso o que se propõe uma educação histórico-crítica, ao contrário, ela quer produzir conhecimento para a inquietação da mulher e do homem modernos, como disse Saviani (1996),

  • ...se o homem não fica indiferente às coisas, isso significa que ele não é um ser passivo. Ele reage perante a situação, intervém pessoalmente para aceitar, rejeitar ou transformar. A cultura não é outra coisa senão, por um lado, a transformação que o homem opera sobre o meio e, por outro, os resultados dessa transformação [...] Do ponto de vista da educação o que significa, então, promover o homem? Significa tornar o homem cada vez mais capaz de conhecer os elementos de sua situação para intervir nela transformando-a no sentido de uma ampliação da liberdade, da comunicação e colaboração entre os homens (pp. 37-38).

Desse modo, penso, a educação histórico-crítica precisa aplicar o conteúdo com base nessa realidade que estamos vivendo. A matemática não deve se limitar aos números apresentados nos livros didáticos como sendo os únicos para o ensino da Matéria, mas apresentar os números que mexem com a vida das pessoas nos dias atuais, números provocados pela ação do capitalismo, números que tem a ver com a economia dos dias atuais. Desse modo o ensino da matemática passa a fazer mais sentido para quem aprende e pode se tornar algo prazeroso para quem ensina. Do mesmo modo, as outras disciplinas como a História, a Geografia, a Sociologia, a Filosofia, a Língua Portuguesa etc, cada uma delas pode adotar como base para a construção do saber a leitura crítica de modelo que predomina no mundo e que intervém diretamente na vida de todos e todas em geral e de cada um em particular sempre com vista a “tornar o homem cada vez mais capaz de conhecer os elementos de sua situação para intervir nela transformando-a no sentido de uma ampliação da liberdade da comunicação e colaboração entre os homens” (idem).

Com os avanços tecnológicos, em especial com os veículos de comunicação de massa como a televisão, a internet, o rádio e os impressos, todos atuando como porta vozes do capitalismo, atuando como instrumento inculcador de valores exercendo forte influência nas crianças e jovens, não é possível que a prática educativa permaneça como reprodutora desse estado de coisas. Os dias contemporâneos exigem uma educação para a formação do homem, não apenas como preparadora para o mercado de trabalho, mas para modificar esta realidade.




Referências
Informativo
RAMONET, Ignácio. Regimes globalitários substituem regimes totalitários. CEPAT Informa 3 (26) :8 25 fev 97 Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores: Curitiba. PR. 1997.

Internet
Antunes, Ricardo: Desenhando a nova morfologia do trabalho. Disponível em www.fafich.ufmg.br/nesth/ivseminario/texto3.pdf. Acessado em 09/3/09 às 15:58h.

Mance, Euclides André. Globalitarismo e Subjetividade - algumas considerações sobre ética e liberdade. Disponível em: http://www.solidarius.com.br/mance/biblioteca/global.htm. Acessado em 07 de março de 2007 às 17h:30m.

Livros
Saviani. Dermeval. Educação: do senso comum à consciência filosófica. 12 ed. – Campinas. SP : Autores Associados, 1996 – (Coleção : educação contemporânea)

VASAPOLLO, Ricardo. O trabalho atípico e a precariedade. São Paulo. Expressão Popular, 2005.