domingo, 5 de abril de 2009

O Processo educacional

de formação para o trabalho

no Brasil

por Rildo Ferreira


I – Introdução
Este trabalho se propõe a analisar a educação como instrumento de preparação do homem e da mulher para o mercado de trabalho no Brasil. A proposta é questionar as relações de forças pelas quais se deram os embates entre a pedagogia revolucionária e a pedagogia aplicada para a formação do cidadão-trabalhador e o papel amenizador do Estado enquanto palco dessa relação conflituosa.

A pedagogia revolucionária está assim descrita por entender que esta tendência busca formar o homem e a mulher para serem cidadãos-cidadãos, enquanto a pedagogia tecnicista busca formar o homem e a mulher para serem cidadãos-trabalhadores.

Por fim, este trabalho tem como natureza o entendimento de que as políticas sociais, cuja origem está determinada pelas mudanças ocorridas no processo de produção baseado no aumento da produtividade e na aviltação do trabalho humano, está relacionada com o desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção.

A educação enquanto papel social do Estado é alvo a ser disputado por diversos grupos variando entre os interesses circunscritos da igreja; os interesses dos detentores dos meios de produção e os interesses da sociedade civil. Eis o que pretendemos abordar.

II – Contribuições históricas dos conflitos educacionais

A educação no Brasil sempre foi a razão de grandes conflitos entre os grupos de interesses desde que ocupado pelos portugueses no século XVI. Enquanto os Jesuítas procuravam catequizar os nativos para aumentar o seu rebanho frente ao crescimento dos protestantes reformistas luteranos, os colonos os disputavam para utiliza-los como mão-de-obra escrava.

Já no século XVIII a ação dos Jesuítas passa a ser questionada pelos ilustrados portugueses que promovem uma brutal luta pela afirmação de uma autoridade real, civil, laica sobre a autoridade eclesiástica que mantinha, até então, um controle sobre a sociedade e o Estado, redefinindo as ações do Estado que passa a assumir a administração, a justiça, a assistência e a educação.

O Brasil Império é palco de grandes conflitos de interesses entre os mais variados grupos que se ajuntavam em correntes políticas afins como o partido português, reunindo comerciantes mercantilistas e militares que defendiam a soberania real; o partido radical ajuntou pequenos comerciantes, artesãos, funcionários públicos, padres, advogados e jornalistas que defendiam uma política descentralizadora, democracia e reforma agrária; e o partido brasileiro composto de comerciantes ingleses, funcionários da alta administração, alguns jornalistas e letrados, defendendo uma política dos direitos individuais à manutenção da propriedade escrava com: a independência da colônia, a monarquia constitucional e centralizadora, sufrágio censitário e a igreja católica como religião oficial (Hilsdorf. 2002).

Em todas os períodos, em todos os conflitos, a educação era o alvo de controle. Controlando a educação, controlava-se a sociedade e a manutenção do status quo. E foi assim que chegamos ao século XX. Entre 1870-1920 ocorre a remodelação das relações de trabalho do regime escravo para o trabalho livre e assalariado (idem); os setores de prestação de serviços e da pequena indústria têm significativo crescimento com o aparecimento de um proletariado urbano; a forte presença de capital estrangeiro e o industrialismo cosmopolita.


III – O Estado Capitalista e as Políticas Sociais
O sistema de educação brasileiro segue as mesmas determinações do conjunto de relações sociais capitalistas contemporâneos (Neves. 1994) e se organiza expressando os diferentes grupos sociais onde os interesses contrários e os conflitos se materializam na divisão de trabalho onde, de um lado encontram-se os donos dos meios de produção e do outro os que proporcionam a mais-valia aos proprietários vendendo a preços muito baixos o seu trabalho. Para os do primeiro grupo o interesse é adquirir a capacidade de produzir muito gastando pouco. Para isso, convergem seus interesses para os avanços tecnológicos representado pela robótica. Para os trabalhadores sobram conflitos que geram desemprego, fome e violência.

Citando Karl Marx Shiroma diz que o Estado instituiu-se como "expressão das formas contraditórias das relações de produção que se instalam na sociedade civil e que impossibilitado de superar contradições que são constituitivas da sociedade – e dele próprio, portanto -, administra-as, suprimindo-as no plano formal, mantendo-as sob controle no plano real, como um poder que, procedendo da sociedade, coloca-se acima dela" (Shiroma. 2004). Como o Estado não é capaz de superar essas contradições, passa a promover políticas sociais compensatórias de saúde, de alimentação, assistência, de educação etc.

A educação está posta no seio dos conflitos perenes como elemento ideológico e socializador dos mecanismos de manutenção do status quo. Nos anos de 1930 no primeiro governo de Getúlio Vargas ocorre uma primeira reforma no sistema educacional brasileiro que, adaptado às condições postas pelo chefe da nação, enfatiza a importância da criação de cidadãos e de “reprodução/modernização das ‘elites’, acrescida da consciência cada vez mais explícita da função da escola no trato da ‘questão social’: a educação rural, na lógica capitalista, para conter a migração do campo para as cidades e a formação de técnico-profissional de trabalhadores...” (Shiroma. 2004) tratando de adaptar a educação à um projeto de modernização do país.

Defendendo os seus interesses a igreja manifesta que para educar moralmente o povo brasileiro deveria ficar com a competência exclusiva do sistema de ensino alegando contribuir para a formação de homens e mulheres úteis com saberes necessários ao bom cidadão. Claro que a proposta não foi integralmente aceita graças a resistência do grupo denominado “reformadores” ou “pioneiros” que atribuíam um importante papel na constituição da nacionalidade tendo em vista as novas relações sociais que se objetivavam no país, mas a pressão foi determinante para a obtenção da inclusão do ensino religioso nas escolas primárias, normais e secundárias, se bem que de forma facultativa.

Em 1940 temos um segundo ato por conta da suspensão dos direitos civis e o debate sobre educação fica reduzido a circulação de idéias.. Capanema implementa as Leis Orgânicas do Ensino que instituiu a LO do Ensino Industrial; cria o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI); LO do Ensino Secundário; LO do Ensino Comercial; LO do Ensino Primário e Normal; cria o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial e a LO do Ensino Agrícola. Dada a incapacidade governamental de promover formação profissional em larga escala o governo recorre à Confederação Nacional da Indústria. Sobre esse assunto, Shiroma e outras escrevem:

Para efetivar o ensino industrial – a mais urgente demanda de uma economia que acelerava o processe de substituição de importações e destinado a uma parcela da classe operária já engajada no processo fabril -, por exemplo, o governo se obrigou a recorrer à Confederação Nacional da Indústria (CNI) criando um sistema paralelo ao ensino oficial, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI). (...) Mas era patente, entre os empresários, a quimera liberal de fazer da fábrica uma escola, o locus ideal da formação para os valores do industrialismo (Shiroma. 2002).

Andrade contribuindo para o trabalho de Neves (2000) assinala que fazia-se necessária uma mudança cultural da força de trabalho em face das novas demandas do movimento de inovações tecnológicas crescentes nas fábricas do país e que a formação da força de trabalho deveria se adequar à nova dinâmica assumida pelo processo de reorganização da produção, sendo esta considerada como uma necessidade da burguesia industrial segundo a CNI (Neves. 2000)

Essa nova relação entre educação profissional e a educação escolar, para Neves (2000), se estabelece a "partir do momento em que o modelo nacional de desenvolvimento e o de educação se definem mais explicitamente como neoliberais". Logo, o sistema educacional estava voltado para uma escolarização tecnológica de caráter instrumental cativa e submissa que sob a ótica ético-política servia formar um contingente importante da força de trabalho. Esse modelo assume um caráter compensatório à educação regular básica que está assim descrito por Neves:

O Caráter submisso da educação profissional brasileira – porque compensatória à escolarização regular básica universalizada e porque imediatamente voltada aos interesses da burguesia industrial – é reforçado ainda pela delegação feita pelo Estado ao empresariado industrial e comercial para a execução dos programas de aprendizagem, treinamento, qualificação e aperfeiçoamento, próprios a essa modalidade educacional desde os primórdios da nossa industrialização (Neves. 2000)

Na década de 1960 o Brasil importa dos Estados Unidos a teoria do “capital humano” estabelecida como uma diretriz de política social para países em desenvolvimento. Ela propõe que o processo de aprendizagem seja considerado um investimento cujo retorno se dá com maior produtividade, possibilitando melhores condições de vida para os trabalhadores e seus familiares. Na segunda metade desta década Anísio Teixeira aborda questões relacionadas à transformação da escola face ao industrialismo emergente, necessário e inevitável, graças à ciência que permitiu ao homem lutar contra a distância, contra o tempo e contra a natureza e permitindo ainda que uma série de problemas fossem resolvidos, propõe alterações profundas no conceito da escola tradicional construindo uma escola nova que preparasse o homem para indagar e resolver por si os seus problemas e como preparação para um futuro rigorosamente imprevisível (Teixeira. 2002).

Esse programa, entretanto, visava favorecer os países assistentes. As soluções envolviam os aspectos quantitativos do sistema escolar para obter maior rentabilidade com baixo custo. No aspecto qualitativo visava prover treinamento de pessoal com utilização de aparelhos pedagógicos reorganizando a estrutura curricular para a formação de pessoal para as empresas em expansão. Esse programa foi resultado dos acordos assinados entre o Ministério da Educação e Cultura e a agência norte-americana Agency for International Development (USAID).

Nos anos 1970 ocorre uma migração do homem do campo para as cidades chegando aos 70% já urbanizados na metade dos anos 1980 agravando, em muito, o precário sistema educacional e, provavelmente, o aprofundamento da superexploração da classe operária. Esse fenômeno, entretanto, pode ter contribuindo para as organizações autônomas provocando rupturas no regime autoritário da ditadura militar. Novos sujeitos sociais passam a postular direitos de cidadania e democracia no país. Sobre esse assunto Neves argumenta:

A transição que se iniciou em meados dos anos 70 transcedeu, pois, de um mero rearranjo entre as forças sociais que compunham o bloco de poder, qualificando-se como um processo de construção autônoma das diferentes forças sociais que passaram a incorporar, nas suas práticas, novos instrumentos de organização das massas. Significou o início de um processo de ruptura da ordem tutelada que presidiu as relações entre Estado e sociedade ao longo do nosso processo de modernização capitalista (Neves 1994).

Surgem novos partidos políticos e cresce os movimentos sociais urbanos que defendem o alargamento dos direitos sociais de cidadania e de democracia. Em meio aos intensos debates surgem propostas distintas para a reestruturação do sistema educacional brasileiro que pudessem suprir as necessidades face as transformações recentes da sociedade, da economia e das relações de poder (Idem).

O que se segue a partir da abertura política é um intenso embate conflituoso de organização do sistema educacional. De um lado os movimentos sociais e os educadores progressistas defendendo uma escola pública de qualidade, gratuita; de outro ponto os empresários leigos de ensino por intermédio da Federação Nacional de Estabelecimentos Particulares de Ensino (FENEN); de outro ponto a igreja católica por intermédio de suas representantes a Associação de Educação Católica no Brasil (AEC-BR) e da Associação Brasileira de Escolas Superiores Católicas (ABESC); e por fim, os empresários da indústria por intermédio da Confederação Nacional da Indústria (CNI) tentando subordinar o sistema educacional aos seus interesses imediatos de modernização capitalista (idem).

Todos os embates desembocaram e se confrontaram intensamente no processo de elaboração da nova Constituinte em 1988 com desdobramento da educação como veículo de modernização e de instrumento compensatório da indigência social no primeiro governo eleito diretamente pelo sufrágio universal e se estende até a consolidação da Lei de Diretrizes e Base da Educação em 1996.


IV – Os novos desafios do século XXI

Até bem pouco tempo discutia-se os problemas centrais da educação brasileira atribuindo-os à falta de escolas, ausência de alunos e recursos insuficientes. Schwartzman diz que os principais problemas são a má qualidade das escolas e a repetência já que a grande maioria das crianças vão à escola mas aprendem pouco e, desestimuladas, abandonam os estudos na adolescência. Em seu trabalho aponta que os gastos brasileiros em educação são semelhantes aos da Itália e do Japão na ordem de 5% a 5,5% do Produto Interno Bruto e afirma “o que se necessita agora é, sobretudo, de uma nova geração de reformas que parta de um diagnóstico correto dos problemas e permita usar bem todo esse investimento que já existe" (Schwartzman, 2005).

Mas ao mesmo tempo ele afirma que a má qualidade da educação não atinge a todos da mesma maneira afetando, brutalmente, as crianças pobres. Os melhores resultados estão convergidos para o ensino profissional que, diferentemente do ensino médio regular, onde os jovens abandonam os cursos antes do fim, conseguem levar um número bastante significativo de alunos ao fim dos cursos, atribuindo o sucesso, em parte, ao “sistema S” (Sesi, Senai, Senac). Citando Shavit & Müller, afirma:

Em todo o mundo, as experiências de separa o ensino médio entre os cursos mais acadêmicos e cursos profissionais, orientados para o mercado de trabalho, costumam trazer um problema de difícil solução, que é a estratificação de prestígio e reconhecimento que se estabelece entre estes segmentos, com os mais pobres sendo canalizados para os cursos profissionais de menos prestígio e remuneração, enquanto os mais privilegiados permanecem nos cursos de formação geral e se preparam para entrar nas universidades (Schwartzman, 2005).

Em 1994, palestrando na abertura do Fórum A Escola Básica e o Mercado de Trabalho, Pastore afirmou que a produção mundial de bens duráveis e não duráveis melhoraram de qualidade com preços mais acessíveis, mas que, em face das inovações tecnológicas e as mudanças administrativas, usaram pouca mão-de-obra gerando desemprego, subemprego, jornada de tempo parcial, trabalho temporário e outras formas atípicas. Para ele, entramos na era do conhecimento onde o adestramento funcional em determinadas profissões não será suficiente para garantir lugar no emprego. Neste mundo robotizado, não haverá trabalho para mão-de-obra não qualificada assim como não haverá trabalho para quem foi qualificado na filosofia do adestramento que só sabem fazer uma coisa sendo necessário aprender continuamente e a executar múltiplas tarefas.

Pastore aponta dados desconcertantes para a educação resolver. Se antes os empresários buscavam trabalhadores bem adestrados, nos dias atuais buscam trabalhadores bem educados. Se antes consideravam alfabetizada uma pessoa que soubesse ler e escrever coisas básicas, nesta nova era alfabetizado é quem consegue ler um manual e decodifica-lo. Na era do conhecimento quanto mais educada a população, menor será o nível de pobreza e miséria do país.

V – Conclusão

Nas primeira décadas do século XX a educação foi vista como equalizadora dos problemas sociais e percussora do progresso brasileiro. Na década de 1950 surge o “programa de metas” do presidente Juscelino Kubitschek de fazer o Brasil crescer 50 anos em 5. No entanto, para a educação só uma meta prevista: o ensino técnico, de formação para a mão-de-obra.. Na década seguinte o Brasil importa um modelo norte-americano sob a máscara da diretriz de política social para países em desenvolvimento com substancial carga tecnicista.

Na década de 1970 surgem importantes atores que vão aprofundar as ranhuras do regime autoritário militarista e cada grupo, ao seu interesse, busca influenciar na elaboração da nova Carta Magma promulgada em 1988. Em 1996 é aprovada a nova LDB do professor Darcy Ribeiro, dando, em princípio, muito mais liberdade e flexibilidade para as instituições educacionais em todos os níveis para montar seus próprios conteúdos programáticos e para gerenciar seus próprios assuntos (Schwartzman. 2005).

Nota-se que em todas as múltiplas fases por quais passaram a educação o que está em jogo é a manutenção de um sistema capitalista que oprime e marginaliza; que propõe uma escola para os trabalhadores e outra para os que vão controlar os trabalhadores. Os embates conflituosos que se cristalizam nas políticas sociais do Estado servem para a manutenção do status quo onde os que são ricos podem ficar mais ricos e os que são pobres só podem ficar mais pobres ainda.

Finalmente chegamos ao século XXI e os conflitos entre as mais diversas correntes se perpetuam, cada qual defendendo os seus interesses imediatos. A indústria mais uma vez tenta jogar a responsabilidade para o sistema educacional da formação do novo homem para a sustentabilidade da nova era: a era do conhecimento. Esta fase está marcada pela brutal concentração de capital e pelo uso de alta tecnologia e pela polarização norte-sul,
onde os bolsões de miserabilidade se concentram nos países pobres do sul que alimentam e sustentam as altas taxas de qualidade de vida dos países do norte (Santos, 2001).

  • VI – Bibliografia

    Neves, Lúcia Maria Vanderley. Educação e Política no Brasil de
    Hoje. São Paulo. Cortez, 1994 – (Coleção questões da nossa
    época).

    Neves, Lúcia Maria Vanderley (Org.). Educação e Política no
    Limiar do Século XXI. Campinas, SP: Autores Associados,
    2000 – (Coleção educação contemporânea).

    Shiroma, Eneida Oto; Moraes, Maria Célia M. de; Olinda,
    Evangelista. Política Educacional. Rio de Janeiro: DP&A, 2004,
    3ª ed. – (O que você precisa saber sobre...)

    Santos, Boaventura de Souza. Pela Mão de Alice: o social e o
    político na pós modernidade. São Paulo: Cortez, 2001.

    Schwartzman, Simon (Org.) Os desafios da educação no Brasil.
    Rio de Janeiro: Nova Fronteira: 2005. – (traduzido por Ricardo
    Silveira).

    Teixeira. Anísio Spínola. Pequena Introdução à Filosofia da
    Educação: a escola progressista ou a transformação da escola.
    DP&A: 2002.

    Hilsdorf, M. Lucia Spedo, História da educação Brasileira: Leituras.
    1ª. ed. São Paulo: Pioneira - Thomson Learning, 2003.

    Pastore, José. Palestra de abertura do Fórum A Escola Básica e o
    Mercado de Trabalho. ?. Brasília, 1994.

Nenhum comentário:

Postar um comentário